Parte III- Onde a saga chega ao seu final, não sem antes ter um clímax apropriado.
Em meados do corrente mês o inevitável aconteceu, leia-se que o crescimento da melena chegou ao ponto de se tornar incomodativa e ocasionalmente já me obrigar a fazer aquele gesto tão típico do Nuno Gomes de ajeitar a bela da madeixa atrás da bela da orelhinha. Assim sendo, lá me decidi a voltar novamente ao local do crime. Menos inquieto mas ainda não à vontade, eis que pela 2ª vez na vida entrei no dito estabelecimento que nesta ocasião estava quase vazio. Havia uma cabeleireira (a minha!, expressão que nunca pensei vir a usar), um funcionário encarregue da lavagem dos cabelos (o já referido T.), uma estagiária em formação e uma cliente. A cabeleireira estava à conversa com a cliente e quando me viu ao balcão chamou o T. para me atender, assim comprovando o célebre ditado de que ninguém foge ao seu destino, ou na tétrica versão da família G., quem tem de morrer de um tiro não morre de uma facada. Como se de um filme de série B se tratasse, eis que surge então o momento por todos já adivinhado (pelo menos por aqueles se deram ao trabalho de seguir a série desde início), em que iria ser posta à prova a viril masculinidade deste amigo que ora vos escreve, um criado ao vosso dispor.
Começámos logo à grande, visto que em resposta à dose extra de vigor e de desbragada testosterona que propositadamente coloquei na minha metade do aperto de mão, o T. respondeu com um estilo de mão morta, viscosa e mole, que me deixou na dúvida se a ideia seria apertá-la ou osculá-la. Bom, mas passemos à frente…Tal como temia, o passo seguinte foi a lavagem do cabelo. Enquanto a cadeira em que me sentei se reclinava e lentamente dava instruções às suas molas para que me começassem a massajar as costas, cumprindo deste modo os desígnios do seu criador, ocorreram-me de forma quase simultânea 2 pensamentos:
O primeiro - que tanto a A. como outras amigas mulheres já me tinham dito que Ah, o T. é fabuloso! Aquelas mãos, aquela massagem…é quase orgásmico…;
O segundo: - aquele episódio do Seinfeld em que o George (claramente a personagem mais interessante) andava angustiado com medo de ser um homossexual reprimido porque tinha ido a um massagista e sentiu movimento lá por baixo (acho que as palavras dele foram I think it moved).
Animado por estas ideias e contrariamente ao usual aumento do peristaltismo intestinal vulgo vontade de cagar, que normalmente me acompanha numa situação de grande stress, fui literalmente assaltado por um violento ataque de riso que consegui controlar fincando, sem remorso ou piedade, os dentes superiores no lábio inferior. Alheio ao drama que se desenrolava, o T. continuava o seu trabalho. Diga-se por ser verdade, e também porque eu posso ser parvo e ter a mania que até tenho piada mas na realidade não sou homofóbico, que o tipo sabe da poda e tem de facto umas boas mãos. Mesmo assim, e após mais ou menos 300 segundos que me pareceram uma eternidade, a lavagem/massagem capilar lá acabou e eu lá me levantei da cadeira. Posso anunciar com indisfarçável orgulho, extrema felicidade e evidente alívio que passei incólume por este momento de provação. Não houve nenhum tipo de movimento lá por baixo. Nada. Zero. Niente. Nem uma agulha buliu na quieta melancolia dos pinheiros do caminho. Mais uma vez peço que compreendam que a alegria sentida não tem nada de homofóbico, apesar do meu longo historial de cinismo gratuito para com o fenómeno do rabetismo galopante que vem assolando a nossa sociedade. A questão é que com 30 anos, casado, pai de família e com cada vez mais contas para pagar, confesso que não tenho nem vida nem paciência para descobrir que olha, olha, afinal sou gay. Não seria propriamente o fim do mundo, convenhamos que seria pior descobrir uma súbita vocação para padre ou uma vontade incontrolável de aderir ao PP, mas que iria dar uma carga de trabalhos lá isso iria.
Para finalizar acrescento que o corte de cabelo em si não merece que com ele se perca muito tempo, mas ainda assim não deixou de ter o seu quê de incomodativo. Nos idos tempos das idas ao barbeiro, um tipo ou naturalmente falava de futebol ou naturalmente estava calado, sem que passasse pela cabeça do cliente e do barbeiro sentirem-se incomodados com eventuais momentos de silêncio. Aqui não. A cabeleireira está firmemente convencida que é essencial para a qualidade do atendimento que não haja tempos mortos. É preciso falar. Sobre o tempo, sobre a família, sobre o que for, mas é forçoso que o cliente não se aborreça. Como não tive a lata de lhe dizer olhe lá, eu até agradeço a sua simpatia e tal e coisa mas o que gostava mesmo era que se calasse um bocadinho para eu poder ler o meu jornal, fui obrigado a levar com uma ensaboadela de 20 minutos de conversa de circunstância de sentido único, que fui interrompendo com os ai sim e os pois é que julguei essenciais para não fazer figura de mal criado. Contrariamente ao que alguns poderiam esperar, não há lugar nesta história para madeixas, extensões, brushings (?) ou frisanços de cabelo.
No fundo, ir ao estabelecimento é como ir ao barbeiro, só que com muito mais higiene.
De cabeça bem levantada e com as mãos naturalmente no prolongamento dos braços, por sua vez masculamente colocados ao lado do tronco, abri a porta e saí.
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5 comentários:
Aqui vai uma versão parecida dos meus problemas capilares de juventude que me causaram a mesma perplexidade.
Tudo se passou antes de 1974, talvez em 1968, época de Beatles ou coisa que o valha. A Barbearia Luso, então em frente ao Café Satélite, remodelou-se, dando resposta a abertura do “Salão Elfma” – Biocosmética Capilar, em frente do antigo Estádio do FCP na Constituição.
Mudou o nome para “Salão Luso”, pôs um grande vidro em frente, pintou paredes, mudou cadeiras e móveis e deu acesso a um conjunto de objectos então só identificáveis nos Cabeleireiros de Senhoras.
Quando lá entrei para cortar o cabelo “deixe pró comprido, mas não muito”, um dos empregados “remasterizado” ao dar as primeiras penteadelas das novas, puxou demais e arrancou-me uns cabelos. Ao ver o meu ar de desagrado o homúnculo retrucou que a culpa era do meu cabelo ser fraco e num ápice e sem pedir licença, arrancou-me um cabelo dos gordos e desapareceu para o fundo do Salão. Quando regressou, disse ter observado o cabelo ao microscópio e ter a solução: Um champô para usar três vezes por semana e mais um tratamento que não me lembro. Certo era não poder lavar a cabeça nos intervalos. Declinei! Então o fulano, futurando-me ingénuo/pato, propôs uma massagem no couro cabeludo, que também funcionaria como tonificante. Aí eu (pecador me confesso), lembrei todos aqueles filmes de cowboys em que o artista se senta na Barbearia e enquanto fuma a cigarrilha e espreita pelo vidro o pó da rua, corta o cabelo, leva a tal massagem e ainda por cima faz a barba e põe toalhas quentes na cara. E meio a medo disse: Está bem!
Dois minutos depois estava com o cabelo todo envolto numa massa que o homem puxava a tempos para cima dando-me um ar de vassoura. De seguida pediu-me para me levantar e levou-me para junto do vidro da frente onde estava uma campânula que eu nunca tinha visto por aquelas bandas, sentou-me por baixo e deu ao interruptor informando-me que teria de ficar ali 10 minutos. Dez minutos/horas atrás do vidro da frente do Salão, com o Café à frente e montes de gente na rua a passar, quer a pé quer de carro. Pensei em morrer de vergonha e com voz sumida pedi o JN por não me lembrar de nada maior para me esconder.
Por fim aquilo acabou sem que eu desse por alguém a olhar para mim. Tinha o cabelo como fio de seda de macio, mas o medo de alguém o notar empurrou-me para casa para o lavar antes de qualquer pergunta a que não quisesse dar resposta.
"Nem uma agulha buliu na quieta melancolia dos pinheiros do caminho"... volta rápido ao barbeiro (desculpa, cabeleireiro!) que a novela melhora de episódio em episódio!
folha seca,
essa história é muito boa.
não haverá fotografias do episódio?
2ª história capilar “para não ficar atrás de ninguém”, onde o autor expõe as suas debilidades.
Na sequência da última história (embora temporalmente anterior), mas também na época em que os longos cabelos adiavam as idas aos Barbeiros.
Põe essa altura havia medos e cuidados que deviam ser considerados pela gente sensata: não comer laranjas à noite, não beber água com melão, não cortar o mijo que faz pedra, não lavar a cabeça durante a menstruação, dar cerveja preta às parturientes para dar mais leite e ... não cortar o cabelo depois de comer.
Este último preceito punha a dificuldades especial quanto ao nº de horas. Como na praia antes do banho - as juvenis 3 horas medidas ao segundo? … um pouco menos sem tanto rigor? … um pouco mais em caso de feijoada com pernil?. Não raras vezes, ia a queimar o prazo que mentalmente tinha estabelecido como correcto para cada situação, mas como o corte capilar só acontecia 3 vezes por ano, não havia um saber de experiência feito que desse garantias e assim prevalecia o sentimento de que “às primeiras tesouradas logo se vê!!!! e … caso surja a congestão …pedes para parar!.
É necessário lembrar que não havia as mariquices da lavagem de cabelo. Um gajo ia mesmo para cortar o cabelo e quando muito fazer a barba. O que havia era: Cabelo, Barba e Barba e Cabelo e mais nada!
Ora um desses dias em que ia “à queima” e ainda por cima com maus pressentimentos por não respeitar aqueles tempos, sentei-me e depois de ter inspirado fundo umas 4 vezes e me auto-avaliar como em condições, permiti que o homem que me olhava expectante, desse início aos trabalhos. Depois de ter recebido as primeiras tesouradas avulsas a medir o volume em só um dos lados, senti a tal sensação tão temida - “o medo de morrer de congestão!” e num gesto único, entesei-me na cadeira, tirei o avental e disse: “Desculpe, mas não me estou a sentir bem! Acho que não vou conseguir cortar o cabelo hoje!” Perguntei quanto era e saí com a promessa de vir amanhã, com a sensação de me ter visto livre de morte certa.
Fiquei a odiar o sítio. Tanto, que durante semanas evitei os cinquenta metros em redor. Qual voltar!?... Nem pensar!!. “Éh Pá, tens de cortar o cabelo!” Eu sei! Mas tenho medo de me sentir mal! Já viste a barraca!” e entre os risos o cabelo atingiu dimensões nunca antes desejadas.
Um dia em conversa com um amigo aparece a solução ao pé da porta:
“O meu pai corta o cabelo em casa com um barbeiro velhote, já reformado, e se tu quiseres, eu digo-te quando ele lá for e tu cortas a seguir!”.
Melhor não podia ser e no dia destinado, com jejum de 6 horas, lá estava eu confiante, pois se me desse o treco, já não era em público e morrer por morrer que fosse em terreno amigo.
O homem era velho e magro de muitos cigarros e de qualquer doença e com óculos de massa grandes e grossos, mas capaz de me entender, de me borrifar o cabelo com água e de mo mover a força de pente de um lado para outro, cortando as longas pontas que lhe fugiam das dimensões projectadas para a minha cabeça. Zás.. aqui … , Puxa para a e frente e zás e num golpe de tesoura desaparece-me a metade externa duma sobrancelha…
Como era suposto eu estar a agradecer para além da paga, fiquei com cara de ter chupado limão, a dizer: “Deixe lá!” .
Saí ao estilo do homem e com um look facial assimétrico que não lançou moda nem invejas.
Desde então, jejuo como antes de comunhão e só vou a Estabelecimentos com Diploma e informações “fidedignas” do feminino. Entro como um cordeiro no Templo de Jerusalém, espero a minha vez, sento-me, tiro os óculos e entrego-me nas mãos do/a artista, já que não vejo peva sem óculos.
Estou maravilhado.
Os capítulos já encerrados não desiludiram!
Venham mais!!!
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